terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O RIO DA PRATA E A CIDADE CINZENTA


No país que tem a maior rivalidade futebolística com o Brasil um dos mais populares times de futebol se chama River Plate. No esporte de origem anglo-saxônica soava mais elegante assim em 1901, quando foi fundado o clube, do que Rio de la Plata. Diz a história (ou a lenda), contudo, que o nome surgiu quando os fundadores do clube viram marinheiros descarregando caixas no porto de Buenos Aires com a inscrição “The River Plate” e gostaram do nome. Os portos e o Rio da Prata marcam a geografia das duas capitais nacionais da bacia do Prata: Buenos Aires e Montevideo. Mas enquanto Buenos Aires é cosmopolita e transpira agitação, Montevideo em seu bonito e ao mesmo tempo deteriorado centro histórico é quase deprimente. É nela, contudo, que a presença do rio que mais parece um mar é mais marcante.

O Rio da Prata tem este nome em função das expedições que subiam o seu leito em busca de uma lendária Sierra de Plata no século XVI e deu nome a Argentina (Argentum). Na verdade é o estuário criado na junção dos rios Paraná e Uruguai que possui 48 km de extensão e 219 km de larguara no ponto em que suas águas se encontram com as do Oceano Atlântico, uma linha imaginária que vai de Punta de Leste no Uruguai até Punta Rasa na Argentina. O rio-mar do Prata é o contraponto ao sul de outro rio-mar ao norte do continente sulamericano: o Amazonas. As duas maiores bacias hidrográficas da América do Sul desaguam em pontos opostos do continente mas se encontram em um ponto no Planalto Central brasileiro, mas precisamente na Estação Ecológica de Águas Emendadas, que está situada no Distrito Federal. O nome da Estação Ecológica advem exatamente deste curioso e único fenômeno, que é o de coinciderem em um mesmo ponto as nascentes de dois pequenos córregos que seguem direções opostas, um para o sul indo se juntar aos rios da bacia do Paraná/Prata e o outro para o norte juntando-se aos rios formadores da bacia Amazônica.

De Águas Emendadas à foz do Rio da Prata são aproximadamente 3000 Km. No Planalto Central a modernidade de Brasília contrasta com o patrimônio histórico de Montevideo às margens do Prata. Na Ciudad Vieja (centro histórico) da capital uruguaia a beleza dos edifícios que outrora marcaram uma época de prosperidade econômica está ofuscada pela decadência e mau-trato dos espaços públicos. Boa parte da cidade de Montevideo se desenvolve ao longo das margens do Rio da Prata. A área na qual se situa o centro está localizada em uma das pontas da bacia de Montevideo e se assemelha a uma península, pois dali se pode acessar o rio tanto ao sul quanto ao norte. Portanto, o rio e porto estão mais ligados à cidade em Montevideo do que em Buenos Aires, embora a fama portenha esteja muito mais associada a esta última. O ar decadente do centro histórico de Montevideo lhe dá, contudo, um ar mais poético. Uma poesia com a melancolia portenha que se reforça com a presença do rio, que do mar não tem o tom esverdeado, mas possui o horizonte longínquo que transporta para longe a alma dos poetas.

Montevideo é a cidade de grandes poetas-escritores como Mario Benedetti e de grandes poetas-compositores como Jorge Drexler. Drexler tem uma canção que fala de seguir rio abaixo, a caminho do mar, atraído por uma força irresistível, que é ao mesmo tempo sua paixão e o próprio compositor ao encontro de si mesmo. Em outra canção chamada Montevideo o poeta-compositor de novo está a caminho do mar, deixando a cidade pensando em um dia voltar. Por fim, na sua canção mais conhecida, “ Al Otro Lado del Rio”, Drexler crê ter visto uma luz no outro lado do rio. Em Montevideo o rio é porto de chegada e porto de partida.

“...El mar que me trajo hasta aquí,
el puerto en que habré de zarpar,
un día pensando en volver,
un día volviendo a escapar”.

"Montevideo" por Jorge Drexler
Foto - Sérgio Jatobá - Rambla em Montevideo

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