terça-feira, 15 de julho de 2008

DISPERSÃO URBANA I


A dispersão urbana tem sido tema de vários estudos e da preocupação de urbanistas e pesquisadores do crescimento das cidades. Entende-se como dispersão urbana ou urban sprawl, na sua designação original em inglês, a expansão horizontalizada e não compacta do tecido urbano criando o que alguns pesquisadores costumam chamar de cidade difusa ou dispersa. Oriel Bohigas, um dos mais renomados urbanistas espanhóis, comentando estudo coordenado pelo pesquisador Francesco Indovina, afirma que a dispersão urbana “se tornou um vírus mortal para a essência social da cidade”. Bohigas se pergunta porque a tradição da cidade compacta deu lugar a uma tendência cada vez mais acentuada de expansão horizontalizada das cidades, com altos custos ambientais, de fluxos circulatórios (principalmente transporte público) e de provisão de infra-estruturas e de serviços urbanos. Acrescenta que, sobretudo, tem se perdido os valores sociais da urbanidade e se eliminado as bases coletivas e coesionadoras da cidade. A cidade difusa/dispersa é ambientalmente insustentável e economicamente perdulária. Por que então este modelo se reproduz com uma intensidade crescente desde há 50 anos atrás ?

Indovina, que publicou Cidade Difusa, obra de referência sobre o tema, não se restringe aos aspectos inerentes ao desenho urbano para explicar a dispersão urbana, a qual define como sendo decorrente do seguinte circuito: O desenvolvimento econômico (industrial) das cidades levou às migrações rural-urbanas, consequentemente ao crescimento das densidades, ao aumento dos preços imobiliários e à predisposição do campo para urbanizar-se progresivamente, criando um círculo vicioso que transformou o território de uma forma irreversível. Bohigas acrescenta a estes elementos “próprios de um crescimento no auge de uma transformação produtiva” outros fatores como: “as mudanças nos modos de vida, a mitologia da segunda residência, a avassalante especulação territorial, as facilidades de um transporte aparentemente rápido, o populismo político que acaba por disponibilizar infra-estruturas aparentemente urbanizadoras, as necessidades de grandes superfícies produtivas, que só são possíveis nos espaços urbanos extramuros ou a impossibilidade de que a indústria fracionada absorva os custos especulativos do solo nas áreas mais centrais”.

Lefebvre e outros pensadores marxista e neomarxistas do fenômeno urbano poderiam explicar a dispersão urbana a partir dos mecanismos da produção social do espaço. Em sua clássica obra “ O Direito à Cidade”, Lefebvre, a partir de uma reflexão crítica dos processos simultâneos da urbanização e industrialização relaciona o funcionalismo preconizado pelo CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna) com o desaparecimento da vida urbana e o crescimento urbano disperso dos bairros dormitórios da periferia das grandes cidades. Nos novos conjuntos habitacionais propostos pelo urbanismo funcionalista de Le Corbusier e seus seguidores o conceito de habitat exclui o conceito de habitar, próprio da cidade tradicional. Nas cidades contemporâneas é possível observar que a vida urbana e a riqueza dos espaços públicos vão escasseando e o tecido urbano vai perdendo coesão a medida em que se percorre o caminho do centro urbano tradicional até às urbanizações periféricas.

Pode se especular que a cidade difusa é uma filha não reconhecida das “cidades-jardim” e do urbanismo moderno. Embora este último se apresente como oposição às idéias difundidas pelos defensores das “garden-cities”, há mais coisa em comum entre estas duas correntes urbanísticas do que fazem supor suas diferenças conceituais. O ideal higienista, que identifica a cidade tradicional da sociedade industrial do século XIX como suja e insalubre tanto inspira a implantação de bairros de baixa densidade em áreas suburbanas como os conjuntos residencias de alta densidade e grandes espaços vazios entre eles. A combinação destes dois modelos urbanísticos pode ser observada em várias cidades modernas e Brasília é um exemplo disto.

A urbanista Anamaria de Aragão Costa Martins em interessante pesquisa sobre novos pólos territoriais motivados pela dispersão urbana no Distrito Federal, publicada na revista eletrônica Vitruvius, conclui que “no Distrito Federal incentivou-se o modelo de ocupação extensiva do solo, como solução à frágil estrutura ambiental” e também em função da adoção do modelo da cidade-jardim, incorporado ao planejamento urbano de Brasília na forma de cidade-parque. A pesquisadora pode observar na análise da estrutura urbana do Distrito Federal, a conformação de novos espaços territoriais ao longo das rodovias que ligam o centro (Plano Piloto) aos polos urbanos dispersos no território (cidades satélites). Desta forma, diz ela, o modelo de cidade-parque adotado em Brasília no intuito de desafogar o centro e melhorar a qualidade de vida urbana, redundou em uma “urbanização progressiva do território de forma contínua ao longo das infra-estruturas de conexão e dos pontos de intersecção entre áreas suburbanas, cada vez mais dissociadas dos núcleos urbanos consolidados”. Ou seja, a cidade difusa resultante, além de frustar as expectativas de uma cidade-parque, gerou uma estrutura urbana pouco coesa, problemática para o transporte e dispendiosa quanto à implantação e manutenção de infra-estruturas.

O sociólogo Ricardo Ojima, pesquisador do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), publicou em 2007 um artigo, que tem sido bastante comentado, no qual propõe a construção de indicador de dispersão urbana para aglomerações urbanas no Brasil. Com base na pesquisa Características e Tendências da Rede Urbana no Brasil (IPEA/IBGE/UNICAMP, 2000) selecionou 37 aglomerações urbanas para construir um ranking da dispersão urbana. O índice sintetiza indicadores em quatro dimensões espaciais: densidade, fragmentação, orientação e centralidade.

Brasília, (entendida como a Aglomeração Urbana de Brasília, que engloba o DF e cidades do Entorno) classificou-se em 6º lugar no índice síntético de dispersão urbana, mas foi a primeira no indicador de fragmentação. Embora Ojima não tenha estabelecido pesos diferenciados para cada uma das quatro dimensões, o indicador de fragmentação é destacado pelo próprio autor como o fator mais característico da dispersão urbana depois da densidade urbana. Entretanto a densidade, indicador comumente utilizado para quantificar a dispersão, não mede a razão entre áreas urbanizadas e áreas não urbanizadas. Ou seja, se duas cidades tem uma mesma população distribuída em uma mesma área elas terão densidade idêntica, mas a maneira como esta população está distribuída no terrítorio pode variar de uma forma mais compacta/monocêntrica até uma forma mais dispersa/policêntrica. Brasília, portanto, considerado este critério, é a cidade mais fragmentada dentre as aglomerações selecionadas, apresentando aquilo que se convencionou chamar de uma urbanização em saltos (leapfrog development), que está associada à separação física dos núcleos urbanos em uma mesma aglomeração e “pode ser entendida como parte de um processo de desconexão dos espaços de vida cotidianos dentro das aglomerações”. O estudo de Ojima confirma uma característica da Aglomeração Urbana de Brasília que pode ser visualmente constatada observando-se um mapa do seu território, a qual condiciona uma série de problemas típicos de cidades muito difusas. Mas este é um assunto a ser melhor explorado em um próximo texto.

Figura: Mapa das tendências de ocupação territorial no Distrito Federal mostrando os principais eixos de ocupação e núcleos urbanos (Fonte PDOT 1997) clique na imagem para visualizá-la melhor

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