terça-feira, 20 de maio de 2008

O TOMBAMENTO DA BACIA DO PARANOÁ


Reportagem publicada no jornal Correio Brazilense em 07/05/08 comenta a proposta de criação da Zona de Proteção do Conjunto Urbanístico de Brasília. Trata-se, na verdade, de uma zona de amortecimento no entorno imediato da Área Tombada do Plano Piloto, o que significa ampliar os limites da Área de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília incluindo nela toda a Bacia do Paranoá. A idéia não é nova. A preocupação daqueles que lutaram pelo tombamento de Brasília já se estendia além do Plano Piloto e abarcava toda a Bacia do Paranoá, pois entendia-se que esta deveria estar livre de outras ocupações urbanas que não fossem o Plano Piloto e os demais núcleos já existentes àquela época, como Cruzeiro, Núcleo Bandeirante, Candangolândia, Guará, os Lagos Sul e Norte, Park Way e a Vila Planalto.Pode se dizer, inclusive, que remonta à ocupação inicial do DF, razão pela qual as primeiras cidades satélites foram localizadas propositalmente fora da Bacia do Paranoá e distantes do Plano Piloto. A principal justificativa era a capacidade de suporte da Bacia e a limitação do Lago Paranoá para receber o esgotamento sanitário de novos núcleos urbanos. A necessidade de preservação de um cinturão verde em torno do Plano Piloto e mesmo razões de segurança eram outras justificativas alegadas para o não adensamento urbano da Bacia do Paranoá.

Estabeleceu-se, então, um consenso de não ocupação da Bacia, que o primeiro Plano de Ordenamento Territorial do DF, ainda denominado PEOT – Plano Estruturador de Organização Territorial, de 1977, referendou quando propôs que todo o crescimento urbano de Brasília ocorresse na porção sudoeste do DF, basicamente no eixo entre Taguatinga e Gama. Pois bem, este pacto foi quebrado em 1985, justamente por Lúcio Costa, quando este apresentou o seu “Brasília Revisitada”, que propunha novas áreas de adensamento na Bacia do Paranoá. Daí nasceram as Quadras Econômicas Lúcio Costa, os novos bairros do Sudoeste, o ainda em implantação Taquari e o prestes a ser implantado Noroeste, além da regularização das Vilas Planalto e Telebrasília. Na medida em que foi dado o pontapé inicial pelo próprio criador do Plano Piloto e resolvido o impedimento ambiental com a implantação do bem sucedido Programa de Despoluição do Lago Paranoá, deixaram de existir as razões para o não adensamento da Bacia do Paranoá. Em seguida surgiram Águas Claras, para viabilizar o metrô, Riacho Fundo, novas áreas quadras residenciais no Guará e as ocupações informais de Vicente Pires e Estrutural. Estas últimas se impuseram à revelia do planejamento, mas em áreas onde já haviam indícios claros de pressões para a urbanização. O projeto do Bairro Catetinho, objeto de discussões recentes, completa a lista das novas áreas urbanas a serem implantadas e já implantadas na Bacia do Paranoá.

Vê-se, portanto, que a proposta de criação da Zona de Proteção do Conjunto Urbanístico de Brasília pode se tornar inócua, ou muito limitada, considerando que a Bacia do Paranoá, a exceção do Parque Nacional, da Estação Ecológica do Jardim Botânico, da Reserva Ecológica do IBGE e de outras poucas unidades de conservação de uso restrito, já está totalmente ocupada por áreas urbanas. Apesar disto, a proposta parece ter o apoio de vários segmentos da sociedade, desde o Iphan até o Conselho Regional dos Consultores de Imóveis, passando por ambientalistas e urbanistas preocupados em manter a qualidade ambiental urbana de Brasília. Para os defensores do padrão urbanístico do Plano Piloto, a proposta faz sentido em função de ainda poder conter futuros adensamentos na Bacia do Paranoá. Para os corretores de imóveis também faz, mas por outra razão. Nas palavras do presidente do conselho regional da categoria, “a preservação ambiental e das características de Brasília significa a valorização dos imóveis e a manutenção da qualidade de vida, por isso temos um dos metros quadrados mais caros do país”. As razões destes dois segmentos parecem coincidir quanto à necessidade de preservar a qualidade de vida urbana, mas contêm uma contradição. Estabelecida a contenção urbana na Bacia do Paranoá haverá mais qualidade ambiental urbana ou, pelo menos, um freio na sua deterioração, decorrência inevitável de um crescimento urbano a cada dia mais intenso. Mas também é certo que haverá uma certa elitização da sua ocupação aumentando o preço dos imóveis, como já ocorre no Plano Piloto. A valorização imobiliária, no entanto, faz com que o mercado, tanto do lado dos empreendedores quanto dos consumidores, pressione o Estado para a liberação de mais áreas para adensamento urbano, o que contraria o discurso da preservação da Bacia do Paranoá. Desta forma, embora pareça que todos defendam a contenção urbana na Bacia do Paranoá esta intenção não deve prevalecer sobre os interesses imobiliários e da política urbana.

Tome-se, como exemplo, a recente discussão sobre a implantação de novas quadras no Sudoeste em terreno que pertencia à Marinha e foi alienado para uma construtora. Os moradores do Sudoeste são contra, obviamente não querem que novos adensamentos reduzam a qualidade de vida no bairro e citam a pressão sobre as infra-estruturas viárias (com o consequente agravamento do caos no trânsito) e de saneamento como impedimento. O Iphan, no entanto, manifestou-se favoravelmente e alega que as novas quadras não contrariam o Brasília Revisitada. O GDF diz que a saturação da infra-estrutura não é problema e há viabilidade para ampliações das redes de água, esgoto, drenagem e no sistema viário. A Marinha parece satisfeita pois resolverá, com a transação imobiliária, o problema de moradia funcional de seus servidores. O setor imobiliário mais ainda e espera lucros fabulosos. Gente que quer morar no Sudoeste e ainda não conseguiu comprar seu imóvel também aguarda as novas ofertas imobiliárias, que pela lógica econômica, que nem sempre se cumpre, ajudariam até a baixar os altos preços dos imóveis. Como se vê, a questão é mais complicada do que parece e no jogo dos interesses urbanísticos costumam prevalecer as pressões para o adensamento urbano. A Bacia do Paranoá, portanto, dificilmente conseguirá resistir às pressões para a ampliação de sua ocupação urbana, e a proposta da Zona de Proteção do Conjunto Urbanístico de Brasília, infelizmente, pode estar fadada ao fracasso ou, se aprovada um dia, já não surtir muito efeito.