terça-feira, 9 de dezembro de 2008

O RIO DA PRATA E A CIDADE CINZENTA


No país que tem a maior rivalidade futebolística com o Brasil um dos mais populares times de futebol se chama River Plate. No esporte de origem anglo-saxônica soava mais elegante assim em 1901, quando foi fundado o clube, do que Rio de la Plata. Diz a história (ou a lenda), contudo, que o nome surgiu quando os fundadores do clube viram marinheiros descarregando caixas no porto de Buenos Aires com a inscrição “The River Plate” e gostaram do nome. Os portos e o Rio da Prata marcam a geografia das duas capitais nacionais da bacia do Prata: Buenos Aires e Montevideo. Mas enquanto Buenos Aires é cosmopolita e transpira agitação, Montevideo em seu bonito e ao mesmo tempo deteriorado centro histórico é quase deprimente. É nela, contudo, que a presença do rio que mais parece um mar é mais marcante.

O Rio da Prata tem este nome em função das expedições que subiam o seu leito em busca de uma lendária Sierra de Plata no século XVI e deu nome a Argentina (Argentum). Na verdade é o estuário criado na junção dos rios Paraná e Uruguai que possui 48 km de extensão e 219 km de larguara no ponto em que suas águas se encontram com as do Oceano Atlântico, uma linha imaginária que vai de Punta de Leste no Uruguai até Punta Rasa na Argentina. O rio-mar do Prata é o contraponto ao sul de outro rio-mar ao norte do continente sulamericano: o Amazonas. As duas maiores bacias hidrográficas da América do Sul desaguam em pontos opostos do continente mas se encontram em um ponto no Planalto Central brasileiro, mas precisamente na Estação Ecológica de Águas Emendadas, que está situada no Distrito Federal. O nome da Estação Ecológica advem exatamente deste curioso e único fenômeno, que é o de coinciderem em um mesmo ponto as nascentes de dois pequenos córregos que seguem direções opostas, um para o sul indo se juntar aos rios da bacia do Paraná/Prata e o outro para o norte juntando-se aos rios formadores da bacia Amazônica.

De Águas Emendadas à foz do Rio da Prata são aproximadamente 3000 Km. No Planalto Central a modernidade de Brasília contrasta com o patrimônio histórico de Montevideo às margens do Prata. Na Ciudad Vieja (centro histórico) da capital uruguaia a beleza dos edifícios que outrora marcaram uma época de prosperidade econômica está ofuscada pela decadência e mau-trato dos espaços públicos. Boa parte da cidade de Montevideo se desenvolve ao longo das margens do Rio da Prata. A área na qual se situa o centro está localizada em uma das pontas da bacia de Montevideo e se assemelha a uma península, pois dali se pode acessar o rio tanto ao sul quanto ao norte. Portanto, o rio e porto estão mais ligados à cidade em Montevideo do que em Buenos Aires, embora a fama portenha esteja muito mais associada a esta última. O ar decadente do centro histórico de Montevideo lhe dá, contudo, um ar mais poético. Uma poesia com a melancolia portenha que se reforça com a presença do rio, que do mar não tem o tom esverdeado, mas possui o horizonte longínquo que transporta para longe a alma dos poetas.

Montevideo é a cidade de grandes poetas-escritores como Mario Benedetti e de grandes poetas-compositores como Jorge Drexler. Drexler tem uma canção que fala de seguir rio abaixo, a caminho do mar, atraído por uma força irresistível, que é ao mesmo tempo sua paixão e o próprio compositor ao encontro de si mesmo. Em outra canção chamada Montevideo o poeta-compositor de novo está a caminho do mar, deixando a cidade pensando em um dia voltar. Por fim, na sua canção mais conhecida, “ Al Otro Lado del Rio”, Drexler crê ter visto uma luz no outro lado do rio. Em Montevideo o rio é porto de chegada e porto de partida.

“...El mar que me trajo hasta aquí,
el puerto en que habré de zarpar,
un día pensando en volver,
un día volviendo a escapar”.

"Montevideo" por Jorge Drexler
Foto - Sérgio Jatobá - Rambla em Montevideo

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

BRASÍLIA E SUA CRESCENTE REDE DE INFLUÊNCIA

A mais recente versão do estudo “Regiões de Influência das Cidades” do IBGE – REGIC 2008, alçou Brasília à condição de metrópole nacional, atrás somente de São Paulo, classificada como a grande metrópole nacional, e de Rio de Janeiro, a outra metrópole nacional. A área que compõe a região de influência de Brasília abrange 298 municípios, uma superfície total de 1.760.734 Km2 e uma população de 9.680.621 habitantes, que a coloca a frente de outras nove metrópoles, que junto com São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília compõem o conjunto dos 12 centros urbanos mais influentes do pais.

A quarta versão da REGIC (as anteriores são de 1972, 1987 e 2000) confirma o que já vinha sendo apontado em outros estudos, que a influência de Brasília não se limita as cidades do Distrito Federal e aos municípios do seu entorno imediato, que compõem o que se convencionou chamar de Área Metropolitana de Brasília. A rede de influência de Brasília abrange municípios situados em Goiás e atinge cidades no noroeste de Minas e no oeste da Bahia, como Barreiras, classificada como capital regional C e Bom Jesus da Lapa, classificada como Centro Sub-regional B. Além disto, comanda, em conjunto com São Paulo, as redes de Cuiabá e Porto Velho, o que amplia em muito a sua área, que assim atinge Mato Grosso, Rondônia, Acre e pequena parcela do Amazonas.

O Estudo do IBGE destaca que apesar de estar situada na terceira posição de importância no país, a rede de Brasília ainda é pequena em relação às de São Paulo e Rio de Janeiro, representando 2,5% da população do País e 4,3% do PIB nacional. Entretanto tem algumas características que se destacam: tem o mais alto PIB per capita entre todas as redes (R$ 25.300,00) e concentra 72,7% da população e 90,3% do seu PIB no seu centro, ou seja, em Brasília. Isto evidencia o papel concentrador de renda e de população que Brasília exerce na sua região de influência. É se por um lado isto se deve a presença do governo federal aqui, cada vez mais a economia local se fortalece com o crescimento do setor empresarial, basicamente terciário. No entanto, é inegável que são os recursos do setor público que turbinam o dinamismo econômico da capital.

Outra pesquisa do IBGE divulgada recentemente confirma, com base em dados de 2006, que os servidores públicos detêm 65% da massa salarial no DF (este percentual era de 60% em 1996) embora representem atualmente só 40% do total de empregados. A pesquisa do Cadastro Central de Empresas (Cempre) informa que em 2006 foram pagos R$ 28,7 bilhões em salários no DF, o que equivale a 5,7% do volume total do país e representa mais do que a soma de todos os outros estados da Região Centro-Oeste. A média salarial do trabalhador brasiliense é de R$ 2.440,00, mais do que o dobro da média nacional que é de R$ 1.208,64. A alta renda dos brasilienses aliada aos serviços contratados e compras efetuadas pela administração pública federal e do DF à empresas daqui faz com que um considerável volume de recursos circule na economia local. E como riqueza atrai gente e mais riqueza, explica-se porque Brasília é um centro com influência crescente no país.

Mas se este poder de atração dinamiza a economia local e aumenta seu grau de influência, drenando mais recursos para o DF, também faz com que os serviços públicos aqui sejam mais pressionados. Um exemplo típico e já bastante conhecido é o da rede pública de saúde que atende gente que vem das mais diversas localidades da região de influência. Outros vêm para Brasília para trabalhar, estudar ou fazer compras. Tudo isto traz benefícios econômicos, mas também impacta os serviços públicos em geral, aumenta o número de veículos no trânsito, gera mais problemas de violência urbana. Talvez os impactos sejam maiores do que os benefícios porque a maior riqueza ainda é gerada dentro do próprio DF e a sua região de influência é em geral muito pobre. Alta renda e alta qualidade de vida e serviços públicos em relação à penúria deste entorno pobre são fatores que fazem com que Brasília continue atrair migrantes, mas que agora não mais conseguem se instalar dentro do Distrito Federal e fixam residência no Entorno. Este fenômeno aliado ao fato de que muita gente que morava no DF tem se mudado para cidades do Entorno fez com que o DF tem tido saldo migratório negativo nos últimos anos (fato que aliás também ocorreu em outros 14 estados brasileiros em 2006).

A crescente influência territorial do DF no país e a importância que sua área metropolitana vem adquirindo também revelam a acentuação da sua elitização e da segregação socioespacial que o caracteriza desde a sua origem. A população mais pobre já não consegue se instalar no interior do DF e a que está aqui vai sendo afastada para fora do seu quadrilátero na medida em que a a valorização do espaço urbano torna o preço de morar no DF impraticável para os que não têm renda suficiente para tal. Pode se dizer, então, que um proceso de gentrificação se estende dos núcleos centrais do DF para os núcleos na periferia do centro e assim por diante, pois todo o DF tende a se tornar um centro mais elitizado desta região de influência.

sábado, 23 de agosto de 2008

Cidades Médias e Metrópoles.



Está na mídia: as cidades médias e pequenas são as novas estrelas do desenvolvimento urbano brasileiro recente enquanto as metrópoles e as cidades com mais de 500 mil habitantes têm seus problemas urbanos acentuados. Estudo do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) confirma que as cidades médias (100 a 500 mil habitantes) tiveram o maior crescimento populacional, entre 2000 e 2007, e o maior aumento do PIB (Produto Interno Bruno), entre 2002 e 2005 em comparação com as demais cidades brasileiras. O PIB per capita das cidades médias também subiu, evidenciando que não só houve crescimento da riqueza, como também melhoria na sua distribuição. Reportagens do Jornal O Estado de São Paulo, da TV Globo, além de outros meios de comunicação repercutiram os resultados do estudo e mostraram a prosperidade crescente nas cidades que despontam no interior do país. A revista Veja estampou em reportagem de capa na sua edição de 24 de julho de 2008, os oito motores que impulsionam a retomada do crescimento econômico brasileiro (soja, álcool, petróleo, carne, automóveis, mineração, indústria têxtil e portos) e o efeito que eles estão produzindo nas cidades de porte médio e pequeno que gravitam nas suas respectivas áreas de influência.

Já as cidades com mais de 500 mil habitantes e principalmente as grandes metrópoles têm freqüentado mais as páginas policiais dos jornais do que as de economia. As cidades com mais de 500 mil habitantes estão mal no aspecto social e perdem espaço no aspecto econômico. Sua participação no PIB nacional reduziu-se de 43,34% em 2002 para 41,70% em 2005. Na população total a redução percentual foi de 29,81% para 29,71%, segundo o mesmo estudo do IPEA. Estudo do Ministério do Planejamento, baseado em dados da PNAD 2001, 2002, 2003 e 2004, pesquisou 10 regiões metropolitanas (Belém, Fortaleza, Recife, Salvador, Belo, Horizonte, Rio de Janeiro, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Brasília ) e constatou que a participação delas no PIB nacional reduziu-se de 43,4% em 2001 para 41,04% em 2004, uma variação negativa de 5,45%.

Estudo mais recente, da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) apresenta um índice que refletiu a evolução socioeconômica dos municípios brasileiros de 2000 a 2005 e aponta que dos 100 municípios mais bem colocados no ranking elaborado, 82 têm menos de 300 mil habitantes, sendo que destes 42 têm menos de 100 mil habitantes. A pesquisa constata que as cidades pequenas e médias aparecem entre as que mais avanços tiveram nos indicadores de saúde, educação e renda. Apesar da maior parte dos municípios mais bem colocados se localizar no Estado de São Paulo, o que indica ainda uma concentração do desenvolvimento na parte sul do país, há claros indícios de melhora em municípios do Nordeste e um considerável avanço dos indicadores socioeconômicos nos municípios do Centro-Oeste. Comparando-se os mapas de 2000 e 2005 do IFDM- Índice Firjan de Desenvolvimento Municipal (ver figuras acima - Fonte: Firjan/IFDM) é possível perceber o deslocamento do desenvolvimento em uma grande mancha que avança do Sul para o Centro-Oeste e depois se bifurca em duas direções, uma em direção à Rondônia e a outra em direção à Belém. Não coincidentemente estas duas manchas menores estão nos eixos das rodovias Brasília-Acre / Cuiabá-Santarém e Belém-Brasília, abertas no governo JK e propostas no seu Plano de Metas como os principais eixos de interiorização do desenvolvimento.

Tudo isto indica que algo está mudando no quadro urbano brasileiro. Melhor dizer que mudanças que já vinham sendo observadas desde a década de 1970/80, se acentuaram nos últimos anos e tendem a modificar a configuração da rede urbana brasileira, destacando novos eixos e pólos de crescimento urbano. As metrópoles ainda concentram a maior parte da riqueza e da população, mas também estão na frente quando se trata de elencar os principais problemas urbanos. O desenvolvimento se desconcentra e se desloca, realizando, enfim, a idéia da interiorização do país, pensada há 292 anos, quando primeiro se propôs a mudança da capital federal para o interior do país. Brasília, plantada no meio do Planalto Central e deslocada do eixo econômico e urbano do litoral, foi a mais forte manifestação da intenção política de expansão da fronteira do desenvolvimento nacional que se fortalece atualmente.

P.S – Espero comentários. O tema é vasto e controverso e exigiria, a rigor, um tratamento mais acadêmico. Minha intenção, no entanto, é mais informativa e por isso a abordagem é tipicamente jornalística. As idéias, contudo, estão aí para serem debatidas, refutadas, complementadas ou apoiadas.

terça-feira, 15 de julho de 2008

DISPERSÃO URBANA I


A dispersão urbana tem sido tema de vários estudos e da preocupação de urbanistas e pesquisadores do crescimento das cidades. Entende-se como dispersão urbana ou urban sprawl, na sua designação original em inglês, a expansão horizontalizada e não compacta do tecido urbano criando o que alguns pesquisadores costumam chamar de cidade difusa ou dispersa. Oriel Bohigas, um dos mais renomados urbanistas espanhóis, comentando estudo coordenado pelo pesquisador Francesco Indovina, afirma que a dispersão urbana “se tornou um vírus mortal para a essência social da cidade”. Bohigas se pergunta porque a tradição da cidade compacta deu lugar a uma tendência cada vez mais acentuada de expansão horizontalizada das cidades, com altos custos ambientais, de fluxos circulatórios (principalmente transporte público) e de provisão de infra-estruturas e de serviços urbanos. Acrescenta que, sobretudo, tem se perdido os valores sociais da urbanidade e se eliminado as bases coletivas e coesionadoras da cidade. A cidade difusa/dispersa é ambientalmente insustentável e economicamente perdulária. Por que então este modelo se reproduz com uma intensidade crescente desde há 50 anos atrás ?

Indovina, que publicou Cidade Difusa, obra de referência sobre o tema, não se restringe aos aspectos inerentes ao desenho urbano para explicar a dispersão urbana, a qual define como sendo decorrente do seguinte circuito: O desenvolvimento econômico (industrial) das cidades levou às migrações rural-urbanas, consequentemente ao crescimento das densidades, ao aumento dos preços imobiliários e à predisposição do campo para urbanizar-se progresivamente, criando um círculo vicioso que transformou o território de uma forma irreversível. Bohigas acrescenta a estes elementos “próprios de um crescimento no auge de uma transformação produtiva” outros fatores como: “as mudanças nos modos de vida, a mitologia da segunda residência, a avassalante especulação territorial, as facilidades de um transporte aparentemente rápido, o populismo político que acaba por disponibilizar infra-estruturas aparentemente urbanizadoras, as necessidades de grandes superfícies produtivas, que só são possíveis nos espaços urbanos extramuros ou a impossibilidade de que a indústria fracionada absorva os custos especulativos do solo nas áreas mais centrais”.

Lefebvre e outros pensadores marxista e neomarxistas do fenômeno urbano poderiam explicar a dispersão urbana a partir dos mecanismos da produção social do espaço. Em sua clássica obra “ O Direito à Cidade”, Lefebvre, a partir de uma reflexão crítica dos processos simultâneos da urbanização e industrialização relaciona o funcionalismo preconizado pelo CIAM (Congresso Internacional de Arquitetura Moderna) com o desaparecimento da vida urbana e o crescimento urbano disperso dos bairros dormitórios da periferia das grandes cidades. Nos novos conjuntos habitacionais propostos pelo urbanismo funcionalista de Le Corbusier e seus seguidores o conceito de habitat exclui o conceito de habitar, próprio da cidade tradicional. Nas cidades contemporâneas é possível observar que a vida urbana e a riqueza dos espaços públicos vão escasseando e o tecido urbano vai perdendo coesão a medida em que se percorre o caminho do centro urbano tradicional até às urbanizações periféricas.

Pode se especular que a cidade difusa é uma filha não reconhecida das “cidades-jardim” e do urbanismo moderno. Embora este último se apresente como oposição às idéias difundidas pelos defensores das “garden-cities”, há mais coisa em comum entre estas duas correntes urbanísticas do que fazem supor suas diferenças conceituais. O ideal higienista, que identifica a cidade tradicional da sociedade industrial do século XIX como suja e insalubre tanto inspira a implantação de bairros de baixa densidade em áreas suburbanas como os conjuntos residencias de alta densidade e grandes espaços vazios entre eles. A combinação destes dois modelos urbanísticos pode ser observada em várias cidades modernas e Brasília é um exemplo disto.

A urbanista Anamaria de Aragão Costa Martins em interessante pesquisa sobre novos pólos territoriais motivados pela dispersão urbana no Distrito Federal, publicada na revista eletrônica Vitruvius, conclui que “no Distrito Federal incentivou-se o modelo de ocupação extensiva do solo, como solução à frágil estrutura ambiental” e também em função da adoção do modelo da cidade-jardim, incorporado ao planejamento urbano de Brasília na forma de cidade-parque. A pesquisadora pode observar na análise da estrutura urbana do Distrito Federal, a conformação de novos espaços territoriais ao longo das rodovias que ligam o centro (Plano Piloto) aos polos urbanos dispersos no território (cidades satélites). Desta forma, diz ela, o modelo de cidade-parque adotado em Brasília no intuito de desafogar o centro e melhorar a qualidade de vida urbana, redundou em uma “urbanização progressiva do território de forma contínua ao longo das infra-estruturas de conexão e dos pontos de intersecção entre áreas suburbanas, cada vez mais dissociadas dos núcleos urbanos consolidados”. Ou seja, a cidade difusa resultante, além de frustar as expectativas de uma cidade-parque, gerou uma estrutura urbana pouco coesa, problemática para o transporte e dispendiosa quanto à implantação e manutenção de infra-estruturas.

O sociólogo Ricardo Ojima, pesquisador do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), publicou em 2007 um artigo, que tem sido bastante comentado, no qual propõe a construção de indicador de dispersão urbana para aglomerações urbanas no Brasil. Com base na pesquisa Características e Tendências da Rede Urbana no Brasil (IPEA/IBGE/UNICAMP, 2000) selecionou 37 aglomerações urbanas para construir um ranking da dispersão urbana. O índice sintetiza indicadores em quatro dimensões espaciais: densidade, fragmentação, orientação e centralidade.

Brasília, (entendida como a Aglomeração Urbana de Brasília, que engloba o DF e cidades do Entorno) classificou-se em 6º lugar no índice síntético de dispersão urbana, mas foi a primeira no indicador de fragmentação. Embora Ojima não tenha estabelecido pesos diferenciados para cada uma das quatro dimensões, o indicador de fragmentação é destacado pelo próprio autor como o fator mais característico da dispersão urbana depois da densidade urbana. Entretanto a densidade, indicador comumente utilizado para quantificar a dispersão, não mede a razão entre áreas urbanizadas e áreas não urbanizadas. Ou seja, se duas cidades tem uma mesma população distribuída em uma mesma área elas terão densidade idêntica, mas a maneira como esta população está distribuída no terrítorio pode variar de uma forma mais compacta/monocêntrica até uma forma mais dispersa/policêntrica. Brasília, portanto, considerado este critério, é a cidade mais fragmentada dentre as aglomerações selecionadas, apresentando aquilo que se convencionou chamar de uma urbanização em saltos (leapfrog development), que está associada à separação física dos núcleos urbanos em uma mesma aglomeração e “pode ser entendida como parte de um processo de desconexão dos espaços de vida cotidianos dentro das aglomerações”. O estudo de Ojima confirma uma característica da Aglomeração Urbana de Brasília que pode ser visualmente constatada observando-se um mapa do seu território, a qual condiciona uma série de problemas típicos de cidades muito difusas. Mas este é um assunto a ser melhor explorado em um próximo texto.

Figura: Mapa das tendências de ocupação territorial no Distrito Federal mostrando os principais eixos de ocupação e núcleos urbanos (Fonte PDOT 1997) clique na imagem para visualizá-la melhor

terça-feira, 20 de maio de 2008

O TOMBAMENTO DA BACIA DO PARANOÁ


Reportagem publicada no jornal Correio Brazilense em 07/05/08 comenta a proposta de criação da Zona de Proteção do Conjunto Urbanístico de Brasília. Trata-se, na verdade, de uma zona de amortecimento no entorno imediato da Área Tombada do Plano Piloto, o que significa ampliar os limites da Área de Preservação do Conjunto Urbanístico de Brasília incluindo nela toda a Bacia do Paranoá. A idéia não é nova. A preocupação daqueles que lutaram pelo tombamento de Brasília já se estendia além do Plano Piloto e abarcava toda a Bacia do Paranoá, pois entendia-se que esta deveria estar livre de outras ocupações urbanas que não fossem o Plano Piloto e os demais núcleos já existentes àquela época, como Cruzeiro, Núcleo Bandeirante, Candangolândia, Guará, os Lagos Sul e Norte, Park Way e a Vila Planalto.Pode se dizer, inclusive, que remonta à ocupação inicial do DF, razão pela qual as primeiras cidades satélites foram localizadas propositalmente fora da Bacia do Paranoá e distantes do Plano Piloto. A principal justificativa era a capacidade de suporte da Bacia e a limitação do Lago Paranoá para receber o esgotamento sanitário de novos núcleos urbanos. A necessidade de preservação de um cinturão verde em torno do Plano Piloto e mesmo razões de segurança eram outras justificativas alegadas para o não adensamento urbano da Bacia do Paranoá.

Estabeleceu-se, então, um consenso de não ocupação da Bacia, que o primeiro Plano de Ordenamento Territorial do DF, ainda denominado PEOT – Plano Estruturador de Organização Territorial, de 1977, referendou quando propôs que todo o crescimento urbano de Brasília ocorresse na porção sudoeste do DF, basicamente no eixo entre Taguatinga e Gama. Pois bem, este pacto foi quebrado em 1985, justamente por Lúcio Costa, quando este apresentou o seu “Brasília Revisitada”, que propunha novas áreas de adensamento na Bacia do Paranoá. Daí nasceram as Quadras Econômicas Lúcio Costa, os novos bairros do Sudoeste, o ainda em implantação Taquari e o prestes a ser implantado Noroeste, além da regularização das Vilas Planalto e Telebrasília. Na medida em que foi dado o pontapé inicial pelo próprio criador do Plano Piloto e resolvido o impedimento ambiental com a implantação do bem sucedido Programa de Despoluição do Lago Paranoá, deixaram de existir as razões para o não adensamento da Bacia do Paranoá. Em seguida surgiram Águas Claras, para viabilizar o metrô, Riacho Fundo, novas áreas quadras residenciais no Guará e as ocupações informais de Vicente Pires e Estrutural. Estas últimas se impuseram à revelia do planejamento, mas em áreas onde já haviam indícios claros de pressões para a urbanização. O projeto do Bairro Catetinho, objeto de discussões recentes, completa a lista das novas áreas urbanas a serem implantadas e já implantadas na Bacia do Paranoá.

Vê-se, portanto, que a proposta de criação da Zona de Proteção do Conjunto Urbanístico de Brasília pode se tornar inócua, ou muito limitada, considerando que a Bacia do Paranoá, a exceção do Parque Nacional, da Estação Ecológica do Jardim Botânico, da Reserva Ecológica do IBGE e de outras poucas unidades de conservação de uso restrito, já está totalmente ocupada por áreas urbanas. Apesar disto, a proposta parece ter o apoio de vários segmentos da sociedade, desde o Iphan até o Conselho Regional dos Consultores de Imóveis, passando por ambientalistas e urbanistas preocupados em manter a qualidade ambiental urbana de Brasília. Para os defensores do padrão urbanístico do Plano Piloto, a proposta faz sentido em função de ainda poder conter futuros adensamentos na Bacia do Paranoá. Para os corretores de imóveis também faz, mas por outra razão. Nas palavras do presidente do conselho regional da categoria, “a preservação ambiental e das características de Brasília significa a valorização dos imóveis e a manutenção da qualidade de vida, por isso temos um dos metros quadrados mais caros do país”. As razões destes dois segmentos parecem coincidir quanto à necessidade de preservar a qualidade de vida urbana, mas contêm uma contradição. Estabelecida a contenção urbana na Bacia do Paranoá haverá mais qualidade ambiental urbana ou, pelo menos, um freio na sua deterioração, decorrência inevitável de um crescimento urbano a cada dia mais intenso. Mas também é certo que haverá uma certa elitização da sua ocupação aumentando o preço dos imóveis, como já ocorre no Plano Piloto. A valorização imobiliária, no entanto, faz com que o mercado, tanto do lado dos empreendedores quanto dos consumidores, pressione o Estado para a liberação de mais áreas para adensamento urbano, o que contraria o discurso da preservação da Bacia do Paranoá. Desta forma, embora pareça que todos defendam a contenção urbana na Bacia do Paranoá esta intenção não deve prevalecer sobre os interesses imobiliários e da política urbana.

Tome-se, como exemplo, a recente discussão sobre a implantação de novas quadras no Sudoeste em terreno que pertencia à Marinha e foi alienado para uma construtora. Os moradores do Sudoeste são contra, obviamente não querem que novos adensamentos reduzam a qualidade de vida no bairro e citam a pressão sobre as infra-estruturas viárias (com o consequente agravamento do caos no trânsito) e de saneamento como impedimento. O Iphan, no entanto, manifestou-se favoravelmente e alega que as novas quadras não contrariam o Brasília Revisitada. O GDF diz que a saturação da infra-estrutura não é problema e há viabilidade para ampliações das redes de água, esgoto, drenagem e no sistema viário. A Marinha parece satisfeita pois resolverá, com a transação imobiliária, o problema de moradia funcional de seus servidores. O setor imobiliário mais ainda e espera lucros fabulosos. Gente que quer morar no Sudoeste e ainda não conseguiu comprar seu imóvel também aguarda as novas ofertas imobiliárias, que pela lógica econômica, que nem sempre se cumpre, ajudariam até a baixar os altos preços dos imóveis. Como se vê, a questão é mais complicada do que parece e no jogo dos interesses urbanísticos costumam prevalecer as pressões para o adensamento urbano. A Bacia do Paranoá, portanto, dificilmente conseguirá resistir às pressões para a ampliação de sua ocupação urbana, e a proposta da Zona de Proteção do Conjunto Urbanístico de Brasília, infelizmente, pode estar fadada ao fracasso ou, se aprovada um dia, já não surtir muito efeito.